terça-feira, 21 de janeiro de 2014

As esquerdas colocam o aborto e a questão gay na mesma escala de valores.

É a grande tragédia destes debates: as esquerdas colocam o aborto e a questão gay na mesma escala de valores. O discurso do Progresso transforma-se num bulldozer que arrasa quaisquer diferenças entre uma questão superficial (gays) e a questão mais profunda de todas (aborto). Separadas por milhares de quilômetros morais, os dois pontos são nivelados à força pelas palavras-bomba do costume, avanço civilizacional, direitos, etc. Mais cedo ou mais tarde, as esquerdas discutirão os direitos dos animais com a mesma carga de cavalaria, com a mesma falta de sofisticação, com a mesma cegueira moral. Um cachorro é moralmente equivalente a um bebé, não é? São ambos "seres sensitivos", não é verdade?

Colocar aborto e questão gay no mesmo saco é uma farsa. O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, implica a união voluntários entre dois seres adultos, vacinados e com barba bem feita. Como é que isto pode ficar na mesma dimensão do aborto? Não pode. É um assunto de uma galáxia muito mais simples de resolver. Sim, mais simples. A temática gay (casamento, co-adoção e até adoção) está à superfície, não coloca nem 10% dos dilemas morais do aborto. Na questão do aborto, o mais profundo e inacabado dos debates, estamos a falar de vida, da proteção de uma vida, de uma terceira parte que ainda não tem voz mas que terá sempre essa voz se o deixarem nascer; a retórica do progresso e dos direitos tem de parar ou desacelerar porque choca de frente com o direito à vida deste ser. Os argumentos que abolem a presença desta vida são falsos empiricamente e imorais do ponto de vista ético. Ou seja, até podem existir caminhos respeitáveis para o sim, mas todos têm de passar pela noção de mal menor e nunca pelo conceito de conquista.


Como já se percebeu, não vejo qualquer problema no reconhecimento de direitos a casais homossexuais, mas vejo enormes problemas na atual lei do aborto, que é uma vergonha. Aliás, ao contrário do que dá a entender a retórica progressista, esta lei tem de ser discutida novamente. O debate não está fechado. Nunca estará fechado. Ora, é por esta razão que fico um pouco banzado quando vejo a direita a repetir a equivalência moral entre a questão do aborto e a questão gay, como se ambas merecessem a mesma resistência, como se ambas representassem o mesmo grau de importância na ordem das coisas.
Henrique Raposo

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