terça-feira, 21 de janeiro de 2014

As esquerdas colocam o aborto e a questão gay na mesma escala de valores.

É a grande tragédia destes debates: as esquerdas colocam o aborto e a questão gay na mesma escala de valores. O discurso do Progresso transforma-se num bulldozer que arrasa quaisquer diferenças entre uma questão superficial (gays) e a questão mais profunda de todas (aborto). Separadas por milhares de quilômetros morais, os dois pontos são nivelados à força pelas palavras-bomba do costume, avanço civilizacional, direitos, etc. Mais cedo ou mais tarde, as esquerdas discutirão os direitos dos animais com a mesma carga de cavalaria, com a mesma falta de sofisticação, com a mesma cegueira moral. Um cachorro é moralmente equivalente a um bebé, não é? São ambos "seres sensitivos", não é verdade?

Colocar aborto e questão gay no mesmo saco é uma farsa. O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, implica a união voluntários entre dois seres adultos, vacinados e com barba bem feita. Como é que isto pode ficar na mesma dimensão do aborto? Não pode. É um assunto de uma galáxia muito mais simples de resolver. Sim, mais simples. A temática gay (casamento, co-adoção e até adoção) está à superfície, não coloca nem 10% dos dilemas morais do aborto. Na questão do aborto, o mais profundo e inacabado dos debates, estamos a falar de vida, da proteção de uma vida, de uma terceira parte que ainda não tem voz mas que terá sempre essa voz se o deixarem nascer; a retórica do progresso e dos direitos tem de parar ou desacelerar porque choca de frente com o direito à vida deste ser. Os argumentos que abolem a presença desta vida são falsos empiricamente e imorais do ponto de vista ético. Ou seja, até podem existir caminhos respeitáveis para o sim, mas todos têm de passar pela noção de mal menor e nunca pelo conceito de conquista.


Como já se percebeu, não vejo qualquer problema no reconhecimento de direitos a casais homossexuais, mas vejo enormes problemas na atual lei do aborto, que é uma vergonha. Aliás, ao contrário do que dá a entender a retórica progressista, esta lei tem de ser discutida novamente. O debate não está fechado. Nunca estará fechado. Ora, é por esta razão que fico um pouco banzado quando vejo a direita a repetir a equivalência moral entre a questão do aborto e a questão gay, como se ambas merecessem a mesma resistência, como se ambas representassem o mesmo grau de importância na ordem das coisas.
Henrique Raposo

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Projeto prevê transformar o aborto em direito das mulheres

Projeto reabriu debate no país, onde a oposição pede que o exemplo da Espanha seja seguido, onde está em jogo aumento das restrições de interrupção da gravidez

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Gravidez
Gravidez: uma em cada três mulheres francesas abortou pelo menos uma vez no país, onde são praticados 220 mil abortos por ano
Paris - O projeto do governo francês de transformar o aborto em um direito pleno das mulheres, que começou a ser analisado nesta segunda-feira pelos deputados, reabriu o debate no país, onde a oposição pede que o exemplo da Espanha seja seguido, onde está em jogo o aumento das restrições de interrupção da gravidez.
O exemplo espanhol mostra que "os direitos das mulheres nunca estão totalmente adquiridos", criticou a presidente da comissão de Direitos das Mulheres da Assembleia Nacional, Axele Lemaire, durante a abertura do debate sobre a lei de igualdade entre homens e mulheres.
Este projeto, que entre outras coisas prevê licença paternidade aos pais, é aceito em geral por todos os grupos, mas inclui duas emendas sobre o aborto que provocaram a irritação de setores tradicionalistas.
A primeira faz cair o último obstáculo entre a mulher e o acesso ao aborto. A atual lei francesa, aprovada em 1975, assinala que o aborto está reservado às mulheres em situação de "desamparo".
A emenda apresentada pelos socialistas estabelece que "uma mulher grávida que não queira prosseguir com sua gestação" pode pedir um aborto, que na França é coberto pela seguridade social.
"O direito ao aborto deve ser considerado um direito pleno, não condicionado a nenhuma justificativa imposta às mulheres", disse na rádio "RTL" a ministra de Direitos das Mulheres e porta-voz do governo, Najat Vallaud Belkacem, grande promotora da reforma.
Entre os opositores ao aborto, essa mudança joga por terra o espírito da lei de 1975, na qual fica estabelecido que o aborto deve ser "um último recurso, não um direito pleno".
"O aborto passa a ser, praticamente, a primeira opção para um grande número de mulheres. Se torna um método anticoncepcional a mais. É a banalização do aborto", criticou a porta-voz do coletivo "Juntos pela vida", que ontem convocou uma grande manifestação em Paris e reuniu, segundo ela, 40 mil pessoas, 16 mil segundo a polícia.
Uma em cada três mulheres francesas abortou pelo menos uma vez no país, onde são praticados 220 mil abortos por ano, e a taxa de nascimentos está estável desde 2006 em 800 mil nascimentos.
As críticas ao projeto socialista se intensificaram e têm colocado como exemplo o anteprojeto de lei apresentado pelo governo espanhol, que restringe o direito ao aborto as vítimas de estupro ou que correm risco de morte no parto.
O presidente da Fundação Jérôme Lejeune de crianças trissômicas, Jean-Marie Le Méné, considerou que o aborto é "um genocídio" para os afetados pela doença.
O outro cavalo de batalha está na emenda que procura reforçar o crime de "impedir" o aborto, punido com dois anos de prisão e 30 mil euros de multa.
Prevista inicialmente para perseguir todos os que organizassem atos contra as clínicas que praticam abortos, a emenda estende a punição também aos que desinformam sobre o acesso a este direito.
Para os opositores ao aborto se trata de "um atentado à liberdade de expressão" que busca ao fechamento de sites para impedi-los de acompanhar mulheres grávidas.
Vallaud Belkacem reforçou que se trata de "reprimir a desinformação, não a informação de alternativas ao aborto, é buscar uma informação equilibrada".
As emendas sobre o aborto contam com o respaldo dos socialistas e de seus aliados de esquerda.
A oposição conservadora da UMP aparece dividida, com alguns deputados favoráveis e outros, da ala mais democrata-cristã da formação, contra.
A principal contestação política vem do ultradireitista Frente Nacional, cuja líder, Marine Le Pen, criticou que o aborto "não deve ser um método contraceptivo como os outros".
Alguns de seus representantes, como o eurodeputado Bruno Gollnich, participaram da manifestação do domingo, enquanto seu fundador, Jean-Marie Le Pen, mostrou publicamente seu respaldo ao projeto do governo espanhol.

Milhares de franceses protestam contra o aborto

PARIS


por Agência Lusa, publicado por Susana Salvador19 janeiro 201423 comentários
Protesto contra o aborto
Protesto contra o abortoFotografia © REUTERS/Gonzalo Fuentes
Milhares de opositores ao aborto, galvanizados pelo "exemplo" espanhol, participaram num desfile em Paris para protestar contra um projeto-lei que, segundo eles, "banaliza totalmente" a interrupção voluntária da gravidez em França.
Sob lemas como "sim à vida" ou "viva a Espanha", muitos manifestantes usavam as cores vermelho e dourado de Espanha, onde o Governo de direita pretende abolir o direito ao aborto, cuja lei foi aprovada em 2010, exceto em casos muito específicos, relatou a agência de notícias francesa (AFP).
De acordo com os organizadores da "Marcha pela Vida", Espanha é "um exemplo" que deve ser seguido, isto, quando o diploma sobre o aborto será debatido no Parlamento francês na segunda-feira.
A porta-voz da organização, Cécile Edel, apelidou o projeto-lei como "uma banalização total do aborto e uma negação do direito à vida, consagrado no Código Civil".
Desde 2005 que é organizada a "Marcha pela Vida" na capital francesa, marcando o aniversário da lei que legalizou o aborto em França em 1975. No ano passado, à iniciativa juntou-se uma grande manifestação contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Os manifestantes convergem de todas as províncias francesas para Paris para participar nesta iniciativa.
Em resposta, a poucos quilómetros da "Marcha pela Vida", um grupo composto por entre 200 a 300 pessoas, na sua maioria mulheres, negam que a França se queira tornar na Espanha, considerando que o direito ao aborto é inatacável.
Mais de 220 mil abortos são realizados todos os anos em França, onde tal prática é legal desde 1975 e totalmente reembolsada pelo Estado desde janeiro do ano passado.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Em aceno a conservadores, papa diz que aborto é "horrível"


segunda-feira, 13 de janeiro de 2014 11:50 BRST
 
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Por Philip Pullella
CIDADE DO VATICANO, 13 Jan (Reuters) - O papa Francisco, frequentemente acusado por católicos conservadores de não se posicionar com suficiente rigor contra o aborto, descreveu nesta segunda-feira a interrupção voluntária da gravidez como algo "horrível".
Esse foi o mais incisivo pronunciamento do pontífice argentino desde sua eleição, em março de 2013. A frase foi incluída em um pronunciamento anual do papa aos diplomatas credenciados pelo no Vaticano.
"É horrível até mesmo pensar que há crianças, vítimas do aborto, que jamais verão a luz do dia", disse ele num trecho do discurso, em que falou sobre os direitos da infância.
Francisco nunca deu sinais de que reveria a condenação da Igreja ao aborto, mas tampouco vinha fazendo as duras e frequentes recriminações contra essa prática que caracterizavam seus antecessores João Paulo 2º e Bento 16.
Em uma histórica entrevista à revista jesuíta italiana Civiltá Cattolica, em setembro, o papa alarmou os conservadores ao dizer que a Igreja precisava se livrar da sua "obsessão" com temas como aborto, contracepção e homossexualidade.
A posição de pontífice de favorecer a misericórdia em lugar da condenação desorientou muitos católicos conservadores, especialmente em países ricos, com os EUA, onde a Igreja está polarizada em torno de assuntos comportamentais.
No ano passado, o bispo de Providence (Rhode Island), Thomas J. Tobin, se disse frustrado pelo fato de o papa não ter tratado mais diretamente "do mal do aborto". Críticas nesse sentido vinham sendo ecoadas por sites católicos conservadores nos últimos meses.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Reforma da lei do aborto abre forte debate na Espanha

A proposta, elaborada pelo ministro da Justiça restringe o aborto aos casos de estupro e de risco para a saúde física ou psíquica da mulher

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Gravidez
Gráviad: se lei for aprovada pelo Legislativo, acabaria com a atual lei, em vigor desde 2010 e aprovada pelo governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero
Madri - A reforma da lei do aborto na Espanha, proposta pelo governo do Partido Popular (PP, de centro-direita), desencadeou um forte debate na Espanha, inclusive dentro das fileiras do partido.
A proposta, elaborada pelo ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, restringe o aborto aos casos de estupro e de risco para a saúde física ou psíquica damulher.
Se for aprovada pelo Legislativo, acabaria com a atual lei, em vigor desde 2010 e aprovada pelo governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero, que estabelece prazos na gestação para a realização do aborto.
O anteprojeto de reforma aprovado pelo atual governo mês passado de dezembro levantou um intenso debate dentro do próprio PP, em que alguns de seus "pesos pesados" expressaram certas reservas e pedem que se busque um consenso maior.
Nos partidos da oposição, a rejeição é enorme e o líder dos socialistas (PSOE), Alfredo Pérez Rubalcaba, pediu hoje ao presidente, Mariano Rajoy, que guarde a reforma do aborto "em uma gaveta fechada a sete chaves" e o acusou de promover um modelo que vai "direto na jugular" dos direitos e das liberdades por pura ideologia e para fazer "negócio".
Na primeira reunião do ano da direção do PP, realizada quarta-feira, ficaram patentes as diferenças sobre esta reforma no seio do partido do governo, já que o tema terminou desviando a atenção dos assuntos da agenda, como a preparação das eleições europeias deste ano e a economia.
Na conferência, Rajoy defendeu a reforma alegando que cumpre com o compromisso histórico do partido de voltar à lei de 1985.

A proposta, elaborada pelo ministro da Justiça restringe o aborto aos casos de estupro e de risco para a saúde física ou psíquica da mulher

O presidente da região de Extremadura, do PP, José Antonio Monago, uma das vozes mais escutadas sobre a reforma do aborto, pediu a Rajoy que busque o máximo consenso neste assunto, enquanto seu correligionário e chefe do governo da Cantábria considera proposta "melhorável".
Outro "peso pesado" no PP, o presidente de Múrcia, Ramón Luis Valcárcel, defendeu hoje "um maior nível de diálogo", da mesma forma que seu colega de Castela Leão, Juan Vicente Herrera.
Alberto Núñez Feijó defendeu a legitimidade do Executivo de mudar a lei do aborto e elaborar outra nova, mas lembrou da busca por um maior consenso para evitar o que segundo ele fez o governo anterior de impor uma lei sem apoios suficientes e "unilateralmente".
A primeiro vice-presidente do Congresso dos Deputados, Celia Villalobos, propôs que se dê liberdade de voto aos deputados do PP quando a reforma chegar ao parlamento.
O Partido Popular tem maioria absoluta no parlamento e poderia aprovar a reforma do aborto sem necessidade do apoio de nenhuma formação da oposição, se for mantida a disciplina de voto no partido, dominante na atividade política espanhola.
A votação do projeto de lei não poderá ser secreta porque, o regulamento do Congresso espanhol determina que, "em nenhum caso poderá ser secreta a votação nos procedimentos legislativos".
Diante disso a oposição buscou uma fórmula para tornar possível o voto secreto e o PSOE e Esquerda Unida (IU) apresentaram no Congresso uma proposição não de lei, em que pedem que o governo retire o projeto de reforma antes de começar a tramitação parlamentar.
Neste caso poderia acontecer uma votação secreta se for pedida por dois grupos parlamentares ou pela quinta parte dos deputados ou membros da comissão parlamentar.
Neste momento que entraria em jogo a importância da disciplina de voto que os grandes partidos exigem de seus deputados e da qual poucos se rebelam, já que quem age assim pode enfrentar sanções. 

Esquema de marcação de abortos envolve clínica pública no Catete

Escutas flagram ginecologista aconselhando gestante a conseguir dinheiro com o tráfico

HERCULANO BARRETO FILHO
Rio - Um ginecologista que trabalha no Centro Municipal de Saúde Manoel José Ferreira, no Catete, é acusado de usar o espaço público para negociar pelo menos dois abortos. Um dos casos foi flagrado em escuta telefônica autorizada pela Justiça, às 13h59 do dia 10 de dezembro. Na ocasião, o médico sugeriu à gestante que conseguisse dinheiro com ‘o pessoal do movimento’, numa possível referência a traficantes na área onde ela mora.
O registro ocorreu três dias antes da operação policial que desarticulou a maior quadrilha de abortos do Rio, responsável por uma movimentação financeira de R$ 500 mil por mês. O caso está sendo investigado pela 19ª DP (Tijuca).
Enquanto estava na clínica, o médico ligou para José Luiz Gonçalves, acusado de chefiar o esquema, para contar que a mulher no seu consultório tomou remédio por conta própria para interromper a gravidez de 11 semanas. Mas o remédio não surtiu efeito. Durante a conversa, o médico disse a Gonçalves que iria cobrar R$ 2,5 mil pelo aborto.
Detidos por suspeita de participação em esquema de abortos
Foto:  Fabio Gonçalves / Agência O Dia
O valor é ‘promocional’, bem abaixo dos R$ 4,5 mil de uma tabela estabelecida pela quadrilha, baseada no tempo de gestação. Mas a mulher diz estar sem dinheiro, ao pegar o telefone do médico para falar com Gonçalves.
“Olha só, eu tomei 12 Cytotecs (medicamento abortivo). É que eu tô desesperada porque eu já tenho quatro filhos. Eu tirei R$ 1 mil que tinha lá em casa guardado para a ceia de Natal. Eu gastei tudo. Eu nem vou ter ceia. Estou desesperada”, disse, aos prantos.
Mas o relato da gestante não sensibilizou Gonçalves, que bateu o pé no valor estipulado, alertando o médico a manter o preço. Em outra conversa no mesmo dia, quase duas horas depois, o ginecologista diz que ‘fechou três’, em referência ao aborto de três gestantes, segundo a polícia. Entre elas, a mulher que teria entrado chorando no consultório.
DELEGADO: ‘É UM ABSURDO’
“É um absurdo um médico que trabalha num hospital público colocar a vida de pessoas em risco em troca de dinheiro”, criticou o delegado Roberto Gomes, da 19ª DP, que investiga o caso.
Na época da operação policial que desarticulou a quadrilha, em 13 de dezembro, o ginecologista não chegou a ser preso porque as escutas telefônicas ainda estavam em andamento. Depois da ação, duas gestantes o reconheceram, em depoimento na delegacia.
Suspeitos haviam sido detidos em fevereiro
Não foi a primeira vez que José Luiz Gonçalves, apontado como o chefe da quadrilha, e o ginecologista Bruno Gomes, também investigado pela 19ª DP, responderam pelo crime de aborto. Em fevereiro do ano passado, eles foram presos em flagrante pela Divisão de Homicídios (DH) numa clínica em Benfica, suspeitos de estarem fazendo um aborto. Eles respondem ao processo, na 2ª Vara Criminal da Capital, em liberdade.
A 19ª DP investiga a quadrilha desde maio de 2012. De acordo com a polícia, a quadrilha atua há pelo menos três décadas usando telefones antigos como herança de outra geração de ginecologistas que faziam abortos no Rio.
Material apreendido por policiais no dia 13 de dezembro, quando seis acusados de aborto foram presos
Foto:  Fabio Gonçalves / Agência O Dia
“É uma quadrilha estruturada para cometer abortos. Ainda estamos aprofundando as investigações para entender melhor o funcionamento do grupo”, explicou o promotor Marcos Kac, da 9ª Promotoria de Investigação Penal, que está acompanhando o caso.
A QUADRILHA
No dia 13 de dezembro, policiais da 19ª DP (Tijuca) desarticularam a quadrilha com a prisão de seis suspeitos: o que seria o chefão (José Luiz Gonçalves), os médicos Guilherme Estrela e Ivo Tannuri Filho, e as agenciadoras Nilda Pontes, Myriam Hahamovici e Maria José Barcellos.
INDICIADOS E SOLTOS
Todos foram indiciados pelos crimes de aborto e formação de quadrilha. Depois de cumprirem prisão temporária de cinco dias úteis, eles foram soltos, para que a polícia continuasse com as investigações.
MICROCESÁREA
Outros dois suspeitos de integrar a quadrilha foram identificados e indiciados pela polícia: os ginecologistas Eurico Surerus e Bruno Gomes. Segundo a polícia, Gomes era o responsável por abortos em gestantes com mais de 12 semanas de gravidez. Em alguns casos, ele faria a chamada microcesárea, retirando o feto através de intervenção cirúrgica.
NEGÓCIO MILIONÁRIO
De acordo com a polícia, a quadrilha fazia até 50 abortos por semana, que chegavam a custar R$ 8 mil. E atendia gestantes que saíam de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Maranhão. No apartamento onde mora Nilda Pontes, a polícia apreendeu 14.768 dólares (cerca de R$ 35 mil), 12.290 euros (cerca de R$ 40 mil), 715 libras (cerca de R$ 715) e R$ 6,5 mil.
GRAVAÇÃO TELEFÔNICA DA COMBINAÇÃO DOS ABORTOS
Numa primeira conversa, Gonçalves, que seria o chefe, conversa com uma gestante. No diálogo, ela diz que já tinha acertado o aborto anteriormente com um ginecologista. No segundo diálogo, quatro dias depois, o médico está com uma paciente no centro municipal de saúde quando liga para Gonçalves. Pressionado pelo chefe, ele aconselharia a gestante a conseguir dinheiro com traficantes. Horas depois, os comparsas voltam a falar. E o médico diz que fechou outros três abortos. Confira abaixo a íntegra das escutas:
6 DE DEZEMBRO - 16h59
Gonçalves combina aborto com paciente, que cita Eurico.
R. (mulher) — Ai, Gonçalves, graças a Deus. Eu tava conversando com o doutor (fala o nome do ginecologista) agora... Eu já resolvi tudo com ele. Ele mandou marcar um encontro com você.
Gonçalves — Mas ó só... Qual foi o valor combinado? Só por via das dúvidas?
R. — Eu tenho aqui pra te dar mil e quinhentos (R$ 1,5 mil).
Gonçalves — Isso! Fala um ponto cinco. Fica tranquila. Ó só. Eu vou marcar você pra amanhã.
R. — Não, doutor. Por favor. Vamos resolver isso hoje. Eu não aguento mais dormir com isso. Não tem como? Não aguento mais dormir com isso.
Gonçalves — Filha, hoje ninguém vai trabalhar. Foi tudo suspenso hoje. O serviço era hoje. Foi tudo transferido pra amanhã.
Mulher - Amanhã aonde, doutor?
Gonçalves - Você mora aonde?
Mulher - Oi?
Gonçalves - Você mora aonde?
Mulher - Moro em Ricardo.
Gonçalves - Ricardo é um pouquinho distante. Mas nós vamos fazer tudo ali na região do Maracanã. Sabe onde é que é?
Mulher - Maracanã, eu sei chegar.
Gonçalves - Não sabe?
Mulher - Sei, eu sei chegar.
Gonçalves - Ah, tá tranquilo. Mas olha só, olha o que eu vou te falar. Deixa só eu levantar, só um minutinho. Que eu tava deitado aqui com a minha mulher. Minha mulher é um problema sério, não me deixa em paz. Peraí que eu vou agendar com você, filha. Só um minutinho. Vamos começar aqui. Me dá o seu nome.
Mulher fala o nome.
Gonçalves - um ponto cinco, o valor combinado. Você tá com quantas semanas?
Mulher - Então, foi o que eu falei com ele. Eu só fiz o beta HCG, minha menstruação só tá atrasada menos de duas semanas. Minha menstruação sempre foi certinha.
Gonçalves - Então eu vou botar aqui seis semanas pra você, tá ok?
Mulher - Tá.
Gonçalves - Porque não deve ser mais que isso também, não. Me dá seu telefone.
Mulher fala o número do seu celular.
Gonçalves - Ele pegou alguma importância com você?
Mulher - Cinco. Zero ponto cinco.
Gonçalves - Zero ponto cinco, ok. É a cota dele mesmo. Então tá feito aqui então. Tô marcando você pra amanhã. Presta atenção. Mas amanhã, meio-dia, você vai ligar pra mim. Tá ok?
10 DE DEZEMBR0 - 13h59 O ginecologista recebe uma paciente no centro municipal de saúde, para combinar o aborto. O médico, então, liga para Gonçalves. A gestante, que tinha tomado medicamentos abortivos, diz estar sem dinheiro. Gonçalves fala para o ginelogista manter o valor combinado. Ele, então, aconselha a grávida a conseguir o dinheiro emprestado com “o pessoal do movimento”.
Gonçalves - Ela é dez semanas, terça-feira passada. Tomou 12 cytotecs. Sabe o que é cytotec? Doze.

Médico - Uma louca, né. Mulher maluca.
Gonçalves - Eu falei... (É meu colega de trabalho aqui). Até dez semanas, R$ 2 mil. Agora, e com dez semanas e mais uma semana?
Médico - São 11 semanas, né?
Gonçalves - Onze semanas. É.
Médico - É, 11 semanas aí. Você pode colocar R$ 2,5 mil, no mínimo. R$ 500 pra você e R$ 2 mil pra gente.
Gonçalves - Ah, é, dá. Dá R$ 2,5 mil. Ele concordou (É que nós temos que dividir o dinheiro pra quatro médicos). Alô, alô?
Médico - Tô ouvindo.
Gonçalves - Eu falei que tem que dividir o dinheiro pra quatro. Eu, você e mais dois.
Médico - Eu, você e mais dois. Sem falar no enfermeiro. São cinco.
Gonçalves - E outra coisa. O preço, não é o preço do trabalho. É o preço da responsabilidade, que não tem preço.
Médico - É, a qualidade do trabalho que não tem preço.
Gonçalves - A qualidade do trabalho que não tem preço.
Médico - Fala com ela, ó. Amanhã é o nosso último dia. Só vou voltar em janeiro (...)
Gonçalves - Peraí, dá uma palavrinha com ela rápida aqui. Dá uma palavrinha.
Mulher - Oi, doutor Gonçalves.
Gonçalves - Pois não, minha querida. Pode falar.
Mulher - Oi, olha só, eu tomei 12 cytotecs. É que eu tô desesperada, porque eu já tenho quatro filhos. Eu tirei R$ 1 mil que tinha lá em casa guardado pra ceia de Natal. Eu gastei tudo. Eu nem vou ter ceia. Eu tô desesperada. Eu não tenho mais o que fazer.
Gonçalves - Ah, só. É dois e meio. E não tem nem como fazer menos, não, porque é muita responsabilidade. E você vai dar um trabalho. Esse remédio que você andou tomando, vai aumentar nossos cuidados. Vai aumentar nossos trabalhos. Você não faz ideia.
Mulher - Não tem como passar o cartão assim, sei lá?
Gonçalves - Você pode passar o cartão e pegar o dinheiro emprestado na própria conta. Que o cartão dá o empréstimo.
Mulher - Passar em débito, mas em débito eu não vou ter. Eu poderia arrumar em crédito.
Gonçalves - Você pega no crédito emprestado. Divide em prestações. Tu pega um empréstimo consignado, no próprio cartão de crédito seu.
Mulher - Ah, mas você tem a máquina de cartão aí, eu posso passar R$ 2,5 mil no cartão?
Gonçalves - Não, filha. Você vai no banco e faz isso. No próprio banco seu.
Mulher - Mas aí eu ia pedir pra minha mãe. Ela não sabe que eu tô fazendo isso.
Gonçalves - Minha filha, eu não posso fazer nada. Qual é a sua idade?
Mulher - Eu tenho 25 anos.
Gonçalves - Tá numa idade boa já. Já sabe muito bem como se cuidar, né?
Mulher - Eu tenho quatro filhos. Eu tô desesperada, porque eu já tomei e eu fiz a ultrassom e a cabeça da criança tá cheia de hematoma.
Gonçalves - Não, você não faz ideia. Você arrumou um problema sério pra essa criança. Um problema seríssimo, entendeu? Até de formação cerebral e tudo. Sem falar que você podia ter morrido por hemorragia.
Mulher - É que eu cheguei a sangrar, mas não desceu. A menina.
Gonçalves - Não, não. Isso não funciona. Mete essa porcaria na cabeça. Quem quer vender essa porcaria, fala qualquer besteira.
Mulher - Até agora, no doutor (nome do ginecologista). Eu vim de manhã, ele não veio. Aí, a gente voltou agora de tarde pra vir falar com ele.
Gonçalves - Minha filha, olha só. Quinta-feira é nosso último dia. Eu só vou voltar em janeiro.
Mulher - Tem como baixar um pouquinho, não? Eu não tenho nem com quem arrumar esse dinheiro em tão pouco tempo.
Gonçalves - Filha, eu não posso fazer nada. Você jogou esse dinheiro fora com o remédio. O remédio é caro, você jogou fora. Vê o que você pode fazer. Fala com seus amigos, tá? O (nome do ginecologista) vai te dar meu telefone.
Mulher - Não tem um líquido que joga, porque a menina passou o endereço de uma moça lá na Mangueira. E eu tô com medo.
Gonçalves - Presta bem atenção no que eu vou te falar. Você tá querendo arrumar problemas sérios pra você mesma. Ou você trabalha com profissionais, com médicos. Ou então...
Mulher - É, eu tô com medo. Essa moça até falou que cobra R$ 500. Eu falei, não, mas deve ser furada, que a menina passou mal. Foi pro hospital, ficou quase um mês internada e ainda teve que tirar o útero.
Gonçalves - Pra você ver a m. que é, tá?
Mulher - Mas aí vocês já ligam logo junto, se eu quisesse, não?
Gonçalves - Oi?
Mulher - Já ligam já as minhas trompas junto, não?
Gonçalves - Não, não, não. Trabalho num setor é uma coisa. No outro, é outra.
Mulher - Ah, entendi.
Gonçalves - Uma coisa é uma coisa. Outra coisa, é outra coisa. Não tem nada haver. Olha só, minha filha. Não perde tempo, não, que o negócio tá complicado pro teu lado. Ainda mais com essa porcaria que você fez aí. Não usa mais essas coisas mais, não.
Mulher - Mas eu não tenho opção. Não tenho nem mais dinheiro.
Gonçalves - Você faz o possível e o impossível também, tá?
Mulher - Tá bom. O doutor (nome do ginecologista) quer falar com o senhor ainda, tá?
Gonçalves - Tá ok.
Médico — Fala, amigo.
Gonçalves — Não, não dá mole, não. É isso mesmo, dois e meio (R$ 2,5 mil). Tem que ter responsabilidade, rapaz!
Médico — Olha a responsabilidade.
Gonçalves — Facilita, não... Não afrouxa, não.
Médico (falando com a mulher) — Vai lá na comunidade. Na comunidade, o pessoal empresta. O movimento empresta, empresta. O movimento... Depois, se não pagar, eles vem atrás de você. (volta a falar com Gonçalves). Então tá, amigo. Grande abraço.
10 DE DEZEMBR0 - 15h41
Médico fala com Gonçalves, que o aconselha a não dar atenção a choro de gestantes.
Médico — Cara, quinta-feira à tarde, três certas... Fechei as três agora.
Gonçalves — Fechou três... São três certas, né?
Médico — Aquela que chorou. Aquela que chorou pelo telefone com você é que eu não sei o nome. Eu mandei ela embora. Ela falou que já tá com a grana na mão... Eu meti.
Gonçalves — É lógico, tu lembra de eu te falando?
Médico — Tá, eu sei, eu sei.
Gonçalves — Se chorar, deixa chorar. Entendeu?
Médico — Que ela arranja, arranja.
Gonçalves - Arranja, arranja.
Médico - Consegue, sim.
Gonçalves - Consegue. Ela tem que chorar é pra outro, pra gente, não... Que nós estamos aqui pra resolver o problema dela. O problema dela.
Médico - Claro. Aquela, tem a C. e tem a M. Aquela que eu esqueci o nome, ela é tão gostosa que, porra... Tem aquela que eu esqueci o nome. Bota aí, doutor (fala o próprio nome), aquela, que depois eu digo o nome pra você. C. e M.