quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Aborto em Espanha: o galardão franquista

Por Ana Sá Lopes publicado em 26 Dez 2013 - 05:00
A nova lei do aborto faz recuar Espanha a um país só mais ou menos europeu
Estamos a assistir ao regresso às trevas aqui ao lado, em Espanha. A lei do aborto da autoria do ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, faz voltar a legislação do país sobre interrupção voluntária da gravidez aos tempos soturnos do franquismo. O aborto passa a ser proibido - com a excepção do caso da violação e do "grave risco" para a saúde física e psíquica da mãe. Mas este "grave risco para a saúde física e psíquica da mãe" será avaliado por médicos e não podem ser os mesmos que vão praticar o aborto. Nem sequer as malformações fetais - inscritas há 30 anos na lei em Espanha - são agora motivo legal para interromper uma gravidez. A menos que algum médico se responsabilize pela prova de que a malformação vai conduzir a um "grave risco psíquico" para a mãe. Acresce que este "grave risco" vai ser muito mais difícil de provar e está sujeito a muito mais obrigações legais do que acontecia na lei aprovada em 1985. Por exemplo, o médico que avalia o "grave risco psíquico" não poderá ser nunca o médico que pratica o aborto - e os dois não poderão trabalhar no mesmo sítio. Uma declaração de guerra às mulheres e às clínicas onde, mesmo com a lei de 1985, a realização de abortos era comum e nunca penalizada.
Numa particular e hipócrita definição do que é um crime, a lei de Gallardón absolve sempre a mulher. Ou seja, só os médicos que praticarem o aborto estão sujeitos a três anos de prisão. As mulheres não terão qualquer pena. Como lei a inscrever num Código Penal é demasiado estúpida - a absolvição da principal mandante (a mulher que decide abortar) transforma isto numa paródia criminal. Gallardón julga que com isto trava a maior oposição à lei: o choque de ver mulheres presas por terem cometido o crime do aborto. A estratégia imbecil, que reduz a mulher que aborta a uma "coitadinha inimputável", ainda torna tudo mais hipócrita.
Em Portugal conhecemos perfeitamente as consequências da lei que faz retroceder Espanha a um país só mais ou menos europeu: proliferação do aborto clandestino, com todos os riscos que lhe estão associados para a saúde da mulher. Em tempo de crise, o aborto clandestino tenderá a deslocar-se das clínicas com mais condições para as marquises de algumas parteiras. Rajoy não tem nada a dar aos espanhóis a não ser crise, lixo e desemprego. Desencantou uma nova lei do aborto para alegrar sectores minoritários do seu partido. É uma vergonha inominável.

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