quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Uso intenso de smartphones provoca alteração no cérebro


Michelle Roberts
Editor de Saúde do site da BBC



A utilização intensa de certos tipos de telefones celulares está provocando uma alteração no cérebro de usuários pela adaptação à nova atividade motora. A conclusão faz parte de um estudo feito pelo Instituto de Neuroinformática da Universidade de Zurique, que analisou as reações de um grupo de 37 voluntários.


Segundo os pesquisadores, os cérebros dos usuários dos chamados smartphones estão sendo alterados pela operação repetida das telas de toque.

Para medir a atividade cerebral do grupo, os cientistas utilizaram a técnica conhecida como eletroencefalografia ou EEG na sigla em inglês. Eles perceberam diferenças marcantes entre os usuários de smartphones e aqueles que utilizavam celulares "convencionais".

Analisando os resultados do EEG, os cientistas concluíram que os usuários de smartphones demonstravam maior destreza no uso dos dedos.

Dos 37 voluntários, 26 eram usuários de smartphones com telas de toque e 11 se mantinham fieis aos modelos mais antiquados de celulares.

EEG

O EEG monitora e registra a atividade elétrica do cérebro.


O teste de EEG monitorou os impulsos elétricos trocados entre o cérebro e as mãos dos indivíduos através dos nervos.

A atividade foi monitorada por diversos eletrodos colocados no couro cabeludo de cada voluntário, capazes de captar esta troca de mensagens na forma sensorial.

A partir dessas informações, os pesquisadores puderam criar um "mapa" que indica a porção do tecido cerebral dedicada à operação de uma determinada parte do corpo.

Os resultados revelaram diferenças distintas entre os usuários de smartphones com telas de toque e os que usam telefones celulares convencionais.

Os usuários de smartphones apresentaram maior atividade cerebral em resposta aos toques dados na tela dos aparelhos pelos dedos médio, polegar e indicador.

E, aparentemente, isto está ligado à frequência com que se usa o smartphone - quanto mais frequente é o uso, maior é a resposta registrada pelo EEG.

Segundo os cientistas, o resultado - publicado na revista científica Current Biology - faz sentido, uma vez que o cérebro é maleável e, portanto, pode ser moldado pela utilização prática repetidamente.

Eles citam como exemplo os violinistas, que têm a área do cérebro dedicada ao controle dos dedos usados para tocar o instrumento maior do que a mesma área do cérebro de alguém que não toca violino.

Os pesquisadores acreditam que o mesmo está acontecendo com os usuários de smartphone - eles estariam tendo seus cérebros "esculpidos" pelo uso repetido pelos toques nas telas dos aparelhos.

Arko Ghosh, que liderou o grupo de pesquisadores da Universidade de Zurique, disse que ficou surpreso pela "escala das mudanças introduzidas (no cérebro) pelo uso de smartphones".

Ele acrescentou que o estudo reforça a ideia de que a onipresença dos smartphones está tendo um grande efeito na nossa vida cotidiana.


Fonte http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141225_smartphone_ra

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

'Fui vendida por R$35 como escrava sexual pelo Estado Islâmico'


Paul Wood
Da BBC News no norte do Iraque
BBC
Estado Islâmico tem capturado mulheres e meninas yazidis no Iraque e usado como escravas sexuais


A comunidade yazidi, uma minoria religiosa no Iraque, afirma que pelo menos 3,5 mil mulheres e crianças ainda estão sob o domínio do grupo autodenominado Estado Islâmico. Muitas delas têm sido utilizadas como "escravas sexuais" e apenas algumas poucas conseguiram escapar e agora contam suas aterrorizantes histórias.

Em um dia de agosto, Hannan acordou e se deparou com sua família arrumando as malas com pressa. Ela foi pega de surpresa: ainda não tinha se dado conta que os jihadistas do Estado Islâmico estavam tão perto.

Do lado de fora, a rua principal de sua cidade natal, Sinjar, estava lotada. A família dela se juntou a outros yazidis correndo e chorando, enquanto balas voavam sobre suas cabeças, diz ela.

Leia mais: Mulheres de minoria ameaçada 'são vendidas a US$1 mil na Síria'

A chuva vai castigando a barraca onde estamos abrigados enquanto ela, nervosa, conta sua história torcendo os dedos.

Hannan não é seu nome verdadeiro. Nenhuma das ex-prisioneiras poderia suportar ser identificada. Hannan tem 18 anos e sonha ser enfermeira, um futuro que quase foi levado embora pelo Estado Islâmico.

A jovem conta que os jihadistas bloquearam as estradas de Sinjar com suas caminhonetes. Eles separaram mulheres e meninas.

"Eles eram 20, com barbas grandes e armas. Eles disseram: 'Vocês vão vir para Mosul'. Nós recusamos. Eles nos bateram e nos empurraram para os carros."
BBC
Hannan foi levada à força de Sinjar, junto com outras mulheres e garotas


Ela, então, foi levada com as outras mulheres para um ginásio esportivo e, depois de algumas semanas, todas foram para um salão de casamento. Em um dos lugares, havia um total de 200 mulheres e meninas. Era como se fosse um mercado de escravas. Os combatentes poderiam vir e escolher quem quisessem.

"Nós não ousávamos olhar na cara deles. Tínhamos muito medo. Uma menina voltou depois de ter sido usada como escrava sexual e nos contou tudo. Depois disso, o Estado Islâmico não permitia que ninguém voltasse."

"Eles atiravam para nos assustar. Eles pegavam quem quisessem à força. Estávamos chorando o tempo todo. Queríamos nos matar, mas não sabíamos como."

Uma menina até conseguiu cometer suicídio, segundo Hannan.

"Ela cortou os pulsos. Eles não nos deixaram ajudá-la. Colocaram a gente num quarto e trancaram a porta. Ela morreu e eles disseram: 'Não importa, só precisamos jogar o corpo em algum lugar.'"
Janela de fuga

Havia combatentes estrangeiros, mas a maioria era de sunitas locais. Hannan reconheceu um dos homens. Ele tinha uma loja de celulares em Sinjar. Ele gritava alto zombando da religião yazidi.

"Eles diziam: 'yazidis são infiéis. Agora vocês vão viver como muçulmanos'. Eles pegavam várias meninas para sexo. E nos diziam: 'Esqueçam a vida que vocês conheciam."'
BBC
Muitos yazidis forçados a deixar suas casas pelo Estado Islâmico agora vivem em campos para desalojados


Eles mudavam de lugar o tempo todo. Em um determinado momento, avistaram alguns dos seus homens à distância. Eles foram obrigados a raspar o bigode – os jihadistas consideram o bigode "anti-islâmico".

"Nossos homens estavam rezando cinco vezes por dia para tentar salvar suas famílias", Hannan conta. "O Estado Islâmico nos disse: 'Se não seguirem o Islã, vamos matar todos vocês.'"

As meninas mais novas eram as primeiras a serem raptadas, segundo ela, e muitas vezes eram levadas para a cidade síria de Raqqa, 'a capital do Estado Islâmico'. Finalmente, chegou sua vez de ir.

"Eles nos disseram: 'Vamos levar vocês para suas famílias primeiro. Esta será a última vez que vocês vão vê-los.'"

Leia mais: Conheça os yazidis, minoria cercada em montanha por rebeldes no Iraque

"Nós chorávamos muito, segurávamos as mãos umas das outras e chorávamos. Nós perguntamos aos combatentes do Estado Islâmico: 'Por que estão fazendo isso com a gente?', e eles nos batiam com um pedaço de pau."

Elas não foram levadas para suas famílias, mas para uma casa que elas entenderam ser um ponto de parada. Sete meninas foram colocadas em um quarto. Algumas foram retiradas para serem abusadas sexualmente e depois voltaram. Havia homens armados do lado de fora. Fugir dali era algo que parecia impossível.

Mas havia uma janela de plástico no quarto e, numa noite, elas conseguiram forçar para que ela se abrisse.

"Nós fomos saindo, uma a uma, pela janela. Eu fui a quinta. Eu estava esperando minha prima lá fora. Mas vi uma luz se aproximando. Não poderia esperar mais. Pulei o muro e nós corremos e continuamos correndo. Não conseguimos ajudar o resto."
Vendida por mixaria

Em outra tenda, está Khama, que acabou em Raqqa. Ela não escapou mas acabou sendo libertada quando sua família pagou um resgate de US$ 3 mil (R$ 7,9 mil).

Ela tem 30 anos e se lembra do choque e vergonha do dia em que foi vendida como um serva; ela lembra, também, do seu preço.
BBC
Combatentes do Estado Islâmico parecem não tentar esconder fato de que escravizam mulheres, e postam vídeos e outros detalhes na internet


"Eles nos colocaram à venda. Muitos grupos de combatentes chegaram para comprar. Nós não conseguíamos dormir direito porque novos grupos chegavam a toda hora", diz ela, quase sussurrando.

"Às vezes, eles trouxeram de volta meninas que haviam sido espancadas, feridas. Quando elas se recuperavam, eram vendidas novamente. Uma vez, eles pegaram todas as meninas. As mulheres foram deixadas para trás [e vendidas por último]."

"Não importa o que fazíamos - chorar, implorar - não fazia nenhuma diferença. Um xeque do Estado Islâmico pegou o dinheiro. Não era muito. Um combatente mostrou-nos 15 mil dinares iraquianos [US$ 13] e disse: 'Este é o seu preço.'"

Leia mais: 'Perdi minha loja e tudo que tinha', diz cristão vítima do 'Estado Islâmico' no Iraque

Ela e sua prima foram compradas por um jihadista com um passaporte ocidental. Ele tinha outras cinco mulheres e meninas yazidis em sua casa. Ele já era casado e tinha sua mulher com ele.

No entanto, ele pretendia se casar à força com duas yazidis, usando as outras, como Khama, como servas.

Khama me diz que a esposa não estava feliz com a situação, mas pouco podia fazer sobre isso. O homem tinha outros problemas também.

"O vizinho dele, um xeque, veio e disse-lhe: 'Você não pode manter todas essas meninas. A ordem do [líder do Estado Islâmico Abu Bakr al-] Baghdadi é de uma por casa.'"
Guia para escravidão

Aparentemente, o Estado Islâmico, de fato, ordenou como as mulheres deveriam ser usadas como escravas.

O Departamento de Pesquisa e Fatwas (decretos religiosos) do grupo divulgou um panfleto com o título: "Perguntas e Respostas sobre Reféns e Escravas."
BBC
Panfleto do grupo Estado Islâmico destaca como escravas devem ser tratadas e o que é ou não permitido fazer com elas


O documento parece ser verídico. Foi postado em um fórum jihadista na internet e, aparentemente, distribuído após as orações de sexta-feira em Mosul.

Cristãos, judeus e mulheres yazidis podem ser tomadas como escravas, diz. As mulheres podem ser compradas, vendidas e dadas como presentes; elas podem ser tratadas como propriedade se um combatente morrer.

O panfleto, em formato de perguntas e respostas, contém mais trechos perturbadores.

Pergunta: É permitido ter relações sexuais com uma refém mulheres imediatamente após possuí-la? Resposta: Se ela for virgem, seu mestre pode ter relações sexuais com ela imediatamente após tomar posse. Mas se ela não for, você deve se certificar de que ela não está grávida.

Leia mais: O que é o jihadismo?

Pergunta: É permitido ter relações sexuais com uma escrava que não tenha atingido a puberdade? Resposta: Você pode ter relações sexuais com uma escrava que não tenha atingido a puberdade se ela estiver apta para a relação sexual.

É um documento depravado e deprimente, em desacordo com o Islã tradicional, embora tenha versos do Corão e relatos do que o profeta Maomé teria dito ou aprovado.

Uma teoria é que o panfleto foi realmente emitido para tentar conter o comportamento mais extremo de combatentes do Estado Islâmico. Diz, por exemplo, que não é permitido que um homem durma com a escrava de sua esposa, ou com a escrava de outro homem; e que um homem pode possuir duas irmãs, mas não pode dormir com elas ao mesmo tempo.
Evidências

A BBC esteve no Monte Sinjar em agosto, quando começaram a circular relatos sobre mulheres e meninas que estavam sendo capturadas. Àquela época, parecia ser uma mistura de histeria e propaganda. Mas, desde então, a evidência só aumentou.

O Estado Islâmico não tenta esconder o que tem feito. Além do panfleto e do vídeo, o jornal oficial do grupo, Daqib, registra os acontecimentos.

O número de 3,5 mil mulheres e meninas ainda em cativeiro não é uma estimativa aproximada. Uma comissão yazidi tem os nomes de todos os desaparecidos. Das que voltaram, algumas estão grávidas.

Os yazidis são profundamente conservadores. Eles enfrentaram uma tentativa de destruí-los como um povo. Mesmo após os relatos de assassinatos em massa e conversões forçadas, o que aconteceu com as mulheres talvez seja o evento mais traumático.

Até agora, um total de cerca de 400 mulheres e meninas conseguiram escapar. As pessoas nos acampamentos parecem atordoadas, silenciosas. Elas esperam por aquelas deixadas para trás, sabendo que há pouca chance de que elas serão resgatadas.




Fonte http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141222_yazidis_estado_islamico_rm

domingo, 21 de dezembro de 2014

'Como lutarei contra a depressão neste Natal'


Charlotte Walker
Colunista convidada
Crédito: Charlotte Walker
Blogueira britânica conta como planeja evitar recaída durante o período de festas, em meio à felicidade dos que estão à sua volta


No dia em que milhares de pessoas em todo o mundo acordarão inquietas à espera de jantar com a família e trocar presentes, a britânica Charlotte Walker deve passar a noite de Natal lutando contra outro tipo de ansiedade: a depressão.

No relato abaixo, ela conta como planeja evitar uma recaída durante o período de festas, sobretudo quando todos à sua volta aparentam extrema felicidade.

"Sempre considerei o Natal um período difícil. Neste ano, estou me recuperando de uma crise de depressão particularmente desafiadora. É muito normal sentir-se pressionada a criar aquele Natal mágico, mas se você estiver estressada, ansiosa, ou mesmo, depressiva, essa pressão pode chegar a níveis humanamente insuportáveis.

Sei que não estou sozinha. Nas últimas semanas, vi amigos meus que também sofrem dessa doença tuitarem sobre suas preocupações, ou até do seu pavor em atravessar o período de festas.

Minha amiga Alice resumiu o problema em 33 caracteres: "Depressão e Natal não combinam". Mas o Natal está se aproximando, quer eu queira ou não – assim como o medo de uma recaída. Para dar conta disso tudo, as coisas vão precisar ser um pouco diferentes.

Em primeiro lugar, comecei a deixar para trás ideias que eu tinha sobre como o Natal "deve" ser. Não vou negar que a tarefa é difícil porque todos os preparativos começam no início de novembro.

Vocês já repararam na quantidade de propagandas nesse período de festas? Além da pressão a que somos submetidos e desse sentimento de antecipação, os anúncios vendem uma ilusão: vemos pessoas comprando aqueles presentes lindos e as matriarcas produzindo quilos e mais quilos de comida fantástica. Enquanto isso, revistas e programas de TV nos ensinam como montar um "Natal perfeito".

Estive pensando noutro dia que se eu tivesse um problema de saúde – não que eu não tenha – que impedisse meus movimentos, sei lá, uma apendicite ou mesmo uma perna quebrada, não pensaria duas vezes em um Natal mais quieto, "na minha", como dizem por aí. Mas estou recebendo medicação por causa de uma crise recente e preciso me cuidar ao máximo para evitar uma recaída.

Portanto, neste ano, o perfeccionismo está descartado – o que eu quero é um Natal simples, mas "bom o suficiente".

Comprar presentes é um problema para mim. Quando estou feliz, gasto o que posso e o que não posso. Quando estou mal, não consigo nem olhar as vitrines. Uma estratégia que eu adotei é compartilhar meus limites com minha família e meus amigos. Assim, como não tenho estado muito bem, tomei a iniciativa de dizer a todo mundo que vou distribuir "vale-presentes" neste ano. Até me permito perguntar qual vale-presente a pessoa quer receber, mas comprar o presente está completamente fora de questão. Ninguém reclamou (por enquanto).

Também disse à minha família que vou tirar um tempo para cuidar de mim. Sendo mãe, sinto que o Natal mexe muito comigo: o que devo comprar, o que cozinhar, se as pessoas vão se divertir, se haverá o suficiente para todo mundo. Como muitos que sofrem de depressão, há momentos que disfarço o meu real sentimento.
Crédito: Charlotte Walker
"Sempre considerei o Natal um período difícil", diz blogueira que sofre de depressão


Meus filhos já estão crescidos, mas ainda tenho esse instinto de protegê-los – não quero que eles saibam como as coisas podem ser difíceis, então eu sempre acabo fingindo ser quem eu não sou. Algumas vezes, quando eu "atuo", fico prazerosamente surpresa como me sinto bem depois. Mas é algo que não dura por muito tempo.

Preciso de espaço para ser quem eu sou, arrumar a bagunça dentro de mim caminhando sozinha no parque, tomar um banho de espuma ou escutar canções natalinas na rádio enquanto saboreio uma torta bem calórica. Algumas vezes isso pode parecer egoísmo, mas a verdade é que, se eu não cuidar de mim mesma, não terei a resiliência necessária para atender às demandas da minha família.

É exatamente como aquela recomendação que recebemos quando viajamos de avião: "em caso de despressurização, coloque a sua máscara de oxigênio primeiro e só depois ajude os outros passageiros".

E, finalmente, estou tentando pensar em como sou abençoada. É algo que eu normalmente detesto fazer, como se meus problemas pudessem desaparecessem por causa disso. Seria ótimo se pudesse me sentir mais empolgada com o período de festas, mas sei que sou uma mulher de sorte – tenho amigos que nem têm o que comer neste Natal e conheço gente que nem tem escolha senão passar o dia sozinha. Portanto, posso até não estar tão bem quanto gostaria, mas poderia estar passando esta data tão importante deitada em uma cama de hospital.

Minha ceia de Natal talvez não seja tão boa quanto a de Nigella Lawson, e meus presentes não são tão originais ou feitos à mão. Mas duvido que em um mês tudo isso tenha importância. Cuidar de mim mesma nesse período de festas é um alento para começar 2015 mais forte contra a depressão. Este é o melhor presente que eu posso me dar.

Feliz Natal a todos.

Charlotte Walker é autora do blog Purple Persuasion (em inglês) e voluntária em primeiros socorros mentais.
Fonte http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141220_relato_depressao_lgb

sábado, 20 de dezembro de 2014

Exposição de grávidas à poluição 'duplica risco' de autismo em bebês

James Gallagher
Editor de Saúde da BBC News
Estudo de Harvard sugere que partículas de poluentes podem passar do corpo da mãe para o do bebê


Um estudo da Escola de Saúde Pública de Harvard sugere que o risco de autismo em crianças duplica nas famílias cujas mães passaram muito tempo expostas à poluição durante a gravidez.

A pesquisa - que analisou 1.767 crianças, 245 com autismo e 1.522 sem - sugeriu que partículas de poeira, carbono e outros compostos químicos, que prejudicam várias partes do corpo, podem passar do pulmão para a corrente sanguínea da mãe, e daí para o bebê.

O estudo não estabelece uma relação causa-consequência definitiva entre autismo e exposição à poluição na gravidez, pois outras pesquisas indicam que existe um grande componente herdado na condição, além de outros fatores.

Mesmo assim, o pesquisador que coordenou a investigação, Mark Weisskopf, disse que existem elementos "crescentes" para unir as duas coisas.

"A especificidade das nossas conclusões, em especial no que se refere ao terceiro trimestre da gravidez, descarta muitas outras possíveis explicações", afirmou.

"Isso não só oferece uma pista importante sobre como investigar a origem do autismo, mas nos abre uma porta para pensar em medidas preventivas no sentido de evitar que as gestantes não fiquem tão expostas à poluição."
Poeira letal

Comentando o estudo, o diretor de pesquisas sobre o meio ambiente do King's College, em Londres, Frank Kelly, elogiou as conclusões do trabalho de Harvard.

"Se fosse apenas um estudo eu não prestaria muita atenção, mas este é o quinto que chega à mesma conclusão", afirmou.

Ele observou que a passagem de partículas de poluição do corpo da mãe para o do bebê "é biologicamente possível" por causa da placenta.

"Se compostos químicos estão entrando no corpo da mãe, o feto pode entrar em contato com eles também", disse.

A poluição do ar causa cerca de 3,7 milhões de mortes por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde.

O estudo foi publicado na publicação científica 

Fonte http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141218_poluicao_autismo_mdb
Environmental Health Perspectives.

Mãe declarada clinicamente morta dá à luz após ser mantida viva por aparelhos

20/12/2014 11h32 - ATUALIZADA EM: 20/12/2014 13h21 - por Redação Marie Claire
Fonte http://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2014/12/mae-declarada-clinicamente-morta-da-luz-apos-ser-mantida-viva-por-aparelhos.html

A mulher, cujo o nome não foi divulgado, teve uma hemorragia cerebral quando estava no sexto mês da gestação. A família dela pediu para que os médicos a deixam viva através de aparelhos para salvar o bebê, que nasceu nesta semana com oito meses
APÓS PASSAR NOVE SEMANAS VIVA DEVIDO À APARELHOS, UMA MÃE DEU À LUZ UM MENINO NO OITAVO MÊS DA GESTAÇÃO (Foto: Thinkstock)


Uma mãe declarada clinicamente morta em outubro deu à luz um menino nove semanas depois de os médicos concodarem em mantê-la viva por aparelhos para salvar o bebê, de acordo com o jornal britânco "The Daily Mail".


Aos 36 anos, a mulher, cujo o nome não foi divulgado, sofreu uma hemorragia cerebral no sexto mês da gravidez e foi levada ao hospital San Raffaele, em Milão, na Itália. Os médicos não conseguiram salvá-la e ela foi declarada clinicamente morta.

A pedido da família, os médicos concordaram em mantê-la viva por meio de equipamentos para controlar sua respiracão e fazer seu sangue cirular, enquanto uma sonda no estômago transportava os alimentos para o feto.

Nesta semana, ela completou oito meses de gestação e foi feita uma cesárea. O bebê, que é um menino, nasceu com 1,8 quilos e com saúde. Um médico no hospital afirmou: "Por trás dessa alegria, não podemos esquecer a dor que a família está se sentindo com a perda desta jovem mulher."
o San Raffaele hospital, em Milão, na Itália (Foto: Getty Images)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Audiência: Deus se faz homem na família

2014-12-17 Rádio Vaticana
Cidade do Vaticano (RV)

Milhares de fiéis participaram nesta quarta-feira (17/12), na Praça S. Pedro, da última Audiência Geral do ano. Em 2014, foram 43 Audiências no total, com a participação de um milhão e 200 mil peregrinos.
Antes de se dirigir à multidão, o Papa fez seu ingresso na Praça a bordo do papamóvel para saudar os fiéis. Muitos deles parabenizaram Francisco por seu aniversário, que hoje completa 78 anos.

Em preparação ao Sínodo sobre a Família, em outubro próximo, o Papa decidiu dedicar suas reflexões semanais a este tema. Com a proximidade do Natal, Francisco meditou nesta quarta-feira sobre a família de Nazaré.

“Deus escolheu nascer numa família humana, que Ele mesmo formou. E a formou num vilarejo perdido da periferia do Império Romano. Não em Roma, numa grande cidade, mas numa periferia quase invisível. E não só, inclusive mal falada.”

Jesus, prosseguiu Francisco, permaneceu naquela periferia por 30 anos, levando uma vida normal, sem milagres, curas ou pregações.

“Os Evangelhos, em sua sobriedade, não referem nada acerca da adolescência e deixam esta tarefa à nossa meditação afetuosa”, disse o Papa, acrescentando que os membros da família de Nazaré poderiam servir de exemplo e inspiração para as mães, pais e até mesmo para a juventude atual.

Assim como fizeram os pais de Cristo, indicou Francisco, cada família cristã pode antes de tudo acolher Jesus, ouvi-lo, protegê-lo, e assim melhorar o mundo. “Abramos espaço no nosso coração e nos nossos dias ao Senhor”, exortou.

Todavia, reconheceu o Papa, não é fácil acolhê-lo, assim como não foi fácil nem para Maria e José, que tiveram que superar inúmeras dificuldades. “Não era uma família aparente, irreal”, explicou o Papa. Pelo contrário, ela nos empenha a redescobrir a vocação e a missão da família; e fazer com que o amor, e não o ódio, se torne normal; que o amor recíproco se torne comum, e não a indiferença ou a inimizade.

“Toda vez que há uma família que protege este mistério, mesmo que seja na periferia do mundo, o mistério do Filho de Deus está em obra. E vem para salvar o mundo".

Após a catequese e a leitura dos resumos em várias línguas, o Papa pediu a todos orações pelas vítimas dos desumanos ataques terroristas perpetrados nos últimos dias em Sydney, na Austrália, e em Peshawar, no Paquistão. “Que o Senhor acolha os mortos em sua paz, conforte os familiares e converta o coração dos violentos”.

(BF)
(from Vatican Radio)

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

'Por que resolvi retirar meus seios aos 27 anos'


apresentadora Claira Hermet (BBC)

A apresentadora da BBC Claira Hermet perdeu a mãe e a irmã para o câncer de mama


Aos 27 anos de idade, a apresentadora britânica Claira Hermet decidiu retirar seus dois seios após perder a mãe e a irmã mais velha para o câncer de mama.

Claira, que trabalha em uma emissora de rádio da BBC, se submeterá a uma operação chamada dupla mastectomia, que ficou célebre depois de ser realizada na atriz Angelia Jolie em 2013.

Como Jolie, a britânica descobriu através de um teste genético que tinha altas chances - 85% no caso de Claira - de desenvolver esse tipo de câncer.

Sua cirurgia está marcada para 15 de janeiro, e a experiência vai ser transformada em um documentário . No relato abaixo, a apresentadora explica a sua decisão:


"Meu nome é Claira Hermet. Sou apresentadora da rádio 1Xtra, da BBC, e da emissora BT Sport. Também sou portadora do gene BRCA1, o que significa que tenho 85% de chances de desenvolver câncer de mama.

Em 15 de janeiro, terei meus seios retirados e depois reconstruídos. E decidi compartilhar minha história e minha jornada com o maior número de pessoas possível.
Claira ao lado do irmão e da irmã, que morreu após lutar mais de seis anos contra o câncer


Quando eu tinha nove anos de idade, minha mãe morreu de câncer de mama, deixando um vazio imenso na minha vida e na vida da minha família.

Eu sabia que sua morte iria mudar o rumo das nossas vidas para sempre. Mas esse não é o fim da minha história com o câncer, porque minha irmã – minha melhor amiga - foi diagnosticada com câncer de mama aos 25 anos e morreu seis anos e meio depois, após uma horrível batalha contra a doença.

Infelizmente, minha mãe não foi testada para a mutação do gene BRCA, uma condição hereditária que implica para o seu portador uma chance de 85% a 87% de desenvolver a doença.

No entanto, minha irmã fez o teste quando soube que tinha câncer. E os resultados mostraram que ela era positiva para BRCA2. Foi então que me pediram para fazer o teste também.

Eu, honestamente, achava que não tinha o gene. Até minha irmã duvidava disso, porque eu tinha puxado mais à família do meu pai, enquanto ela se parecia mais com a da minha mãe.

Poucas semanas depois, recebi os resultados do teste. Estava tão confiante que apesar de várias pessoas se oferecerem para ir comigo, fui sozinha.

Quando me disseram que, sim, eu tinha o gene, falei que estava bem.

Mas enquanto aquela senhora me explicava as minhas escolhas a partir de então, eu não conseguia ouvir nada, só pensava em segurar as lágrimas.

Deixei a clínica pensando em como, com a minha irmã tão doente, dar a notícia a ela e ao restante da minha família.
A experiência de Claira será transformada em um documentário da BBC


Mas contei.

E em consultas com cirurgiões e conversas com outros portadores da mutação, descobri que uma dupla mastectomia era praticamente a única medida preventiva para o meu caso.

Munida dessa informação, fui viver minha vida.

Sempre repeti para mim mesma que estaria em uma relação estável quando eu decidisse operar. Dessa maneira, minha aparência não importaria, porque essa pessoa iria me amar de qualquer jeito.

Mas sigo solteira. Não tenho filhos e, na realidade, não vou ter filhos antes de passar por isso. Meu pior pesadelo é ter filhos e ter de deixá-los.

Remover meus seios vai reduzir minhas chances de desenvolver câncer de mama de 85% para 4%.
Jornada compartilhada

Para dividir essa experiência, estou fazendo um documentário com a BBC, que será transmitido em março.

Por algum tempo, à medida que minha operação se aproximava, meus medos e dúvidas aumentavam. Eu me sentia confusa e com medo. Acima de tudo, questionava se essa era a decisão certa para mim.

Eu me preocupava com coisas pequenas, como "será que eu ainda vou me sentir sexy?" Mas depois comecei a rir disso tudo.

É o tipo de dúvida muito menor se comparada com simplesmente estar viva.

Mas eu adoro essas dúvidas, porque elas me lembram de por que estou fazendo essa operação e como é importante para mim dividir minha história com outras pessoas. Minha esperança é que elas consigam racionalizar seus medos e se sentir confiantes e no controle de suas próprias vidas.

Aprendi que só se vive uma vez e que já passei tempo demais me sentindo triste e infeliz.

A morte da minha irmã foi um ponto de inflexão. Ela já não tem a vida dela, mas eu tenho a minha. E vou continuar a lutar para preenchê-la com alegria, positividade e significado."


Fonte http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141215_apresentadora_cancer_mdb

O trabalho de religiosas na Índia no resgate de prostitutas escravas

2014-12-16 Rádio Vaticana
Calcutá (RV)

Para as religiosas indianas, o Ano da Vida Consagrada significa um forte retorno à dimensão contemplativa, mas também um renovado compromisso com a ação. Cientes destes desafios, um grupo de quatro religiosas pertencentes à Congregação das Irmãs de Maria Imaculada, visita os prostíbulos de Calcutá, onde muitas jovens são obrigadas a se prostituir, vivendo como escravas de traficantes.
O trabalho das irmãs em defesa das mulheres exploradas e indefesas “é também uma resposta positiva à mensagem do Papa Francisco para o próximo Dia Mundial da Paz, onde exorta a combater as modernas formas de escravidão”, explica à Agência Fides Ir. Sharmi Souza, da mesma Congregação. “Somente em uma noite – relata – salvamos 37 jovens, sendo que 10 delas eram menores de idade”.

As irmãs dão apoio e oferecem assistência às jovens mulheres, que posteriormente fornecem informações úteis à polícia para prender os traficantes. Às vezes os agentes se negam ir aos prostíbulos, pois também eles acabam corrompidos pelos traficantes, fato denunciado pelas religiosas aos seus superiores.

Segundo dados do governo indiano, em 2007 mais de 3 milhões de mulheres trabalhavam no mercado do sexo, sendo 35,47% delas menores. A ONG “Human Rights Watch”, inclui na categoria de prostituição na Índia, cerca de 20 milhões de pessoas. Somente em Mumbai, considerado o maior centro da indústria do sexo da Ásia, existem cerca de 200 mil prostitutas.
(JE)

(from Vatican Radio)

domingo, 14 de dezembro de 2014

Cientistas criam aditivo que gera saciedade e reduz ingestão de comida


Foto: Thinkstock


Aditivo aumentou sensação de saciedade em voluntários que comeram o quanto quiseram

Cientistas britânicos criaram um aditivo para alimentos que aumenta a sensação de saciedade.

Os testes iniciais mostraram que a substância ajudou as pessoas a reduzirem sua ingestão de alimentos e desacelerou o seu aumento de peso.

O aditivo, batizado de IPE, tem como ingrediente principal o propionato, que ao ser produzido no corpo a partir da quebra das fibras no intestino, nos ajuda naturalmente a sentir-nos satisfeitos.

Os pesquisadores do Imperial College de Londres e da Universidade de Glasgow, na Escócia, afirmaram que o aditivo tem de ser consumido regularmente para fazer efeito.

O problema é que a forma do IPE é um pó solúvel de gosto desagradável. Os cientistas querem contornar este problema tentando incorporar o aditivo em pães e frapês de frutas.

A pesquisa foi divulgada na revista especializada Gut.
Absorção

A parte problemática da pesquisa foi encontrar uma forma de levar o propionato até o intestino grosso, onde vai desencadear a liberação de hormônios que controlam o apetite.

Adicionar o propionato à comida não funcionaria, pois a substância seria absorvida cedo demais pelo intestino.

A equipe de pesquisadores encontrou uma forma de ligar o propionato a um carboidrato natural encontrado em plantas, a inulina. A ligação explica o nome IPE, uma sigla inglês que denota um éster formado pela ligação inulina-propionato.

Uma vez ligado, o propionato pode passar pelo sistema digestivo com segurança antes de ser desacoplado da inulina pelas bactérias do intestino grosso.

Nos testes iniciais da pesquisa, 20 voluntários receberam ou a inulina ou o IPE, e então receberam sinal verde para comer o quanto queriam.

Os que receberam o IPE comeram cerca de 14% menos.

Na parte seguinte do estudo, 49 voluntários que estavam acima do peso receberam IPE ou inulina, ambos em pó. Eles deveriam adicionar dez gramas (cerca de uma colher de sobremesa) de um dos dois à comida diariamente.

Depois de 24 semanas, seis dos 24 voluntários que receberam inulina tinham aumentado seu peso em mais de 3%, enquanto apenas um dos 25 que receberam o IPE tiveram aumento de peso.

"Sabemos que os adultos ganham entre 0,3 quilo e 0,8 quilo por ano em média, e há uma necessidade real de estratégias que possam evitar isto", disse o coordenador do estudo, Gary Frost, do Imperial College de Londres.

"Moléculas como o propionato estimulam a liberação de hormônios do intestino que controlam o apetite, mas você precisa comer quantidades imensas de fibra para conseguir um efeito forte", acrescentou.

Douglas Morrison, do Centro de Pesquisa Ambiental da Universidade de Glasgow, afirmou que as experiências mostraram que o propionato poderá ter um papel importante no gerenciamento do peso.

"Se eles conseguirem fazer isto sem afetar o gosto ou os intestinos, então eu aprovo", disse David Haslam, presidente do Fórum Nacional Britânico de Obesidade.


Fonte http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141211_aditivo_saciedade_fn

Projeto sobre 'brancura' inflama debate sobre racismo nos EUA


Jaime González
Da BBC Mundo em Los Angeles
Whiteness Project | Foto: POV
Entrevistas com americanos brancos de Buffalo, em Nova York, causaram polêmica por observações consideradas racistas


A decisão da Justiça americana de não acusar formalmente os policiais responsáveis pela morte de Michael Brown e de Eric Garner inflamou o debate sobre a desigualdade racial nos Estados Unidos. Agora, um projeto sobre "o que é ser branco" amplia a polêmica, com o objetivo de incluir os cidadãos brancos na discussão.

Neste sábado, milhares protestam em Washington contra as mortes de negros por policiais brancos em circunstâncias polêmicas desde 2012, como o jovem Trayvon Martin, de 17 anos, morto por um voluntário de segurança do bairro na Flórida e Tamir Rice, de 12 anos, que foi alvejado por policiais porque portava uma arma de brinquedo.

Outros protestos em cidades como Nova York e Los Angeles exigem um fim ao que se considera um uso desproporcional da força pelos policiais de todo o país, em particular contra a população negra.

Muitas pessoas consideram que, apesar dos avanços das últimas décadas, o racismo nos Estados Unidos continua tão presente como há meio século, quando o movimento pelos direitos civis, liderado por Martin Luther King Jr., lutou para acabar com a segregação racial.

Em meio ao debate, um projeto audiovisual que fala sobre o que significa ser branco no país, que estreou há algumas semanas na TV, colocou mais lenha na fogueira.

O Whiteness Project (Projeto Brancura, em tradução livre), do documentarista Whitney Dow, reúne entrevistas com dezenas de americanos brancos – muitos deles de classe média – que falam diante das câmeras sobre seu sentimento de pertencimento a um grupo racial e sobre como percebem os privilégios que teriam em relação a outras minorias raciais.

As opiniões de alguns dos participantes – todos da cidade e Buffalo, em Nova York – soaram chocantes e polêmicas, talvez porque não seja comum ouvi-las publicamente.Milhares de pessoas protestam em Washington contra a morte de negros desarmados por policiais brancosAmericanos brancos também participam das manifestações em grandes cidades americanas

Medo de negros

Uma das mulheres, por exemplo, diz ter medo dos negros pela maneira como eles fazem propostas sexuais a ela. Outro homem diz que hoje são os brancos que sofrem discriminação nos Estados Unidos.

Há também uma jovem que diz que sabe tão bem como os negros o que é ser discriminada, por causa das tatuagens que tem no corpo. E uma garota que gostaria que os brancos se sentissem tão orgulhosos de ser brancos quanto os afrodescendentes se sentem por serem negros.

Muitos dos entrevistados dizem ser contrários a ações afirmativas como cotas para minorias raciais, já que, para eles, tais medidas dão oportunidades a algumas pessoas não por seus próprios méritos, e, sim, por sua cor de pele.Projeto quer que cidadãos brancos "participem ativamente" do debate racial na sociedade americana

Outros participantes mostram pontos de vista mais moderados, como um jovem que lamenta o fato de não haver uma integração racial maior em Buffalo e uma mulher que diz não se sentir à vontade quando o ambiente em que está é formado apenas por brancos.

Ao fim de cada uma das entrevistas do Whiteness Project são apresentadas estatísticas que mostram até que ponto persistem as divisões e estereótipos raciais nos Estados Unidos, de acordo com o que os participantes do projeto expressam.

Mais de 40% dos brancos americanos acredita que os homens negros são violentos e 75% afirma não ter contato com pessoas negras em seu círculo mais próximo.

Além disso, 60% de brancos de classe média diz que a discriminação contra eles é tão grave quanto a discriminação contra os negros.

E 73% das pessoas diz que não se deve dar "tratamento especial" aos negros para acabar com as desigualdades.


Opiniões controversas

A estreia da primeira parte do projeto na TV aberta americana causou polêmica, especialmente nas redes sociais.

Alguns críticos se perguntaram até que ponto é necessário escutar pessoas brancas dizerem, em voz alta, opiniões que podem parecer racistas.

Arielle Newton, colunista do portal The Huffington Post, disse temer que o projeto ajude a perpetuar estereótipos que muitos têm nos Estados Unidos sobre as minorias raciais, por falta de contexto histórico.

"O diálogo entre as raças é importante e tem o benefício de mostrar a perspectiva do outro. Mas essa perspectiva deve ser reforçada com algo de inteligência. (...) Assistindo aos vídeos, tudo o que eu escutei foi um discurso usado contra as minorias, uma vitimização egoísta equivocada e uma defesa até a morte da raça branca", escreveu em um artigo.

Os responsáveis pelo projeto se defenderam destacando que sua intenção é que "os brancos participem ativamente do debate sobre o papel da raça na sociedade americana", para a qual consideram necessário "levar em conta as ideias que muitos cidadãos têm sobre as questões raciais".Cerca de 60% dos brancos de clase média dos EUA acreditam ser tão discriminados quanto os negros

"Com esse projeto, eu queria dar a oportunidade aos brancos de refletirem sobre sua identidade racial", disse Whitney Dow, diretor do projeto, à BBC Mundo. Ele enfatiza que nem todas as ideias expressadas pelos participantes são racistas.

Após a recepção controversa do projeto, Dow – que é branco e nas últimas décadas realizou diversos documentários sobre questões raciais junto ao cineasta negro Marco Williams – diz que em entrevistas futuras quer incluir pontos de vista mais diversos.

No entanto, ele reitera que seu objetivo é iniciar um debate sobre conceitos de raça que não costumam ser discutidos abertamente.

"A realidade é que os pontos de vista que são apresentados ali são compartilhados por muitos brancos americanos. Se queremos acabar com o racismo precisamos falar dele e de suas origens. Acho que os negros são conscientes do racismo que existe, mas os brancos, nem tanto", afirma.

"A maioria dos brancos americanos acham que não têm raça. Eles acham que são os outros que têm raça. Não pode haver uma discussão sobre justiça social e racismo nesse país sem que os brancos reconheçam que são uma raça que tem sua própria experiência."


Entrevistas 'fascinantes'

Steven W. Trasher, colunista afro-americano do jornal britânico The Guardian diz que as entrevistas do Whiteness Project são "fascinantes", porque "as pessoas falam de assuntos que, em geral, não se discute".

"Elas (as entrevistas) têm valor pela maneira como mostram o privilégio dos brancos e o quão fácil às vezes é dizer certas coisas em público sem pensar nas consequências", disse à BBC Mundo.

"Além disso, acho que o projeto é valioso porque mostra que o racismo não pode ser atribuído somente a pessoas pobres e sem educação do sul do país, mas a pessoas de todas as origens e condições sociais."O documentarista Whitney Dow quer entrevistar mil pessoas para o seu projeto

Heidi R. Lewis, professora da faculdade Colorado College – onde dá um curso sobre estudos críticos da raça branca – diz que "um dos riscos deste projeto é que os brancos monopolizem a conversa sobre questões raciais".

Lewis, que também é afrodescendente, resiste em qualificar o projeto como algo positivo – já que considera que as opiniões expressadas nele já são bastante conhecidas –, mas diz que a intenção do documentário pode ser boa.

"Até agora parecia que eram os negros que tinham a tarefa de falar dos privilégios dos brancos, mas já é hora que os próprios brancos questionem esses privilégios", afirma.

"Algumas das ideias que os participantes expressam, como a mulher que diz ter medo dos homens negros, explicam por que acontecem incidentes como os que resultaram na morte de Trayvon Martin ou de Michael Brown."

Até agora, Whitney Dow realizou 75 entrevistas das mil que pretende incluir noWhiteness Project.

Nos próximos meses, ele viajará por todo o país para conhecer a opinião de seus cidadãos brancos, que ele espera trazer para um debate do qual eles estiveram ausentes por tempo demais.


Fonte http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141213_whiteness_estados_unidos_jg_cc

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2015

2014-12-12 Rádio Vaticana
JÁ NÃO ESCRAVOS, MAS IRMÃOS
1.      No início dum novo ano, que acolhemos como uma graça e um dom de Deus para a humanidade, desejo dirigir, a cada homem e mulher, bem como a todos os povos e nações do mundo, aos chefes de Estado e de Governo e aos responsáveis das várias religiões, os meus ardentes votos de paz, que acompanho com a minha oração a fim de que cessem as guerras, os conflitos e os inúmeros sofrimentos provocados quer pela mão do homem quer por velhas e novas epidemias e pelos efeitos devastadores das calamidades naturais. Rezo de modo particular para que, respondendo à nossa vocação comum de colaborar com Deus e com todas as pessoas de boa vontade para a promoção da concórdia e da paz no mundo, saibamos resistir à tentação de nos comportarmos de forma não digna da nossa humanidade.
Já, na minha mensagem para o 1º de Janeiro passado, fazia notar que «o anseio duma vida plena (…) contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar». Sendo o homem um ser relacional, destinado a realizar-se no contexto de relações interpessoais inspiradas pela justiça e a caridade, é fundamental para o seu desenvolvimento que sejam reconhecidas e respeitadas a sua dignidade, liberdade e autonomia. Infelizmente, o flagelo generalizado da exploração do homem pelo homem fere gravemente a vida de comunhão e a vocação a tecer relações interpessoais marcadas pelo respeito, a justiça e a caridade. Tal fenómeno abominável, que leva a espezinhar os direitos fundamentais do outro e a aniquilar a sua liberdade e dignidade, assume múltiplas formas sobre as quais desejo deter-me, brevemente, para que, à luz da Palavra de Deus, possamos considerar todos os homens, «já não escravos, mas irmãos».
À escuta do projecto de Deus para a humanidade
2.      O tema, que escolhi para esta mensagem, inspira-se na Carta de São Paulo a Filémon; nela, o Apóstolo pede ao seu colaborador para acolher Onésimo, que antes era escravo do próprio Filémon mas agora tornou-se cristão, merecendo por isso mesmo, segundo Paulo, ser considerado um irmão. Escreve o Apóstolo dos gentios: «Ele foi afastado por breve tempo, a fim de que o recebas para sempre, não já como escravo, mas muito mais do que um escravo, como irmão querido» (Flm 15-16). Tornando-se cristão, Onésimo passou a ser irmão de Filémon. Deste modo, a conversão a Cristo, o início duma vida de discipulado em Cristo constitui um novo nascimento (cf. 2 Cor 5, 17; 1 Ped 1, 3), que regenera a fraternidade como vínculo fundante da vida familiar e alicerce da vida social.
Lemos, no livro do Génesis (cf. 1, 27-28), que Deus criou o ser humano como homem e mulher e abençoou-os para que crescessem e se multiplicassem: a Adão e Eva, fê-los pais, que, no cumprimento da bênção de Deus para ser fecundos e multiplicar-se, geraram a primeira fraternidade: a de Caim e Abel. Saídos do mesmo ventre, Caim e Abel são irmãos e, por isso, têm a mesma origem, natureza e dignidade de seus pais, criados à imagem e semelhança de Deus.
Mas, apesar de os irmãos estarem ligados por nascimento e possuírem a mesma natureza e a mesma dignidade, a fraternidade exprime também a multiplicidade e a diferença que existe entre eles. Por conseguinte, como irmãos e irmãs, todas as pessoas estão, por natureza, relacionadas umas com as outras, cada qual com a própria especificidade e todas partilhando a mesma origem, natureza e dignidade. Em virtude disso, a fraternidade constitui a rede de relações fundamentais para a construção da família humana criada por Deus.
Infelizmente, entre a primeira criação narrada no livro do Génesis e o novo nascimento em Cristo – que torna, os crentes, irmãos e irmãs do «primogénito de muitos irmãos» (Rom 8, 29) –, existe a realidade negativa do pecado, que interrompe tantas vezes a nossa fraternidade de criaturas e deforma continuamente a beleza e nobreza de sermos irmãos e irmãs da mesma família humana. Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja, cometendo o primeiro fratricídio. «O assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gen 4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros».
Também na história da família de Noé e seus filhos (cf. Gen 9, 18-27), é a falta de piedade de Cam para com seu pai, Noé, que impele este a amaldiçoar o filho irreverente e a abençoar os outros que o tinham honrado, dando assim lugar a uma desigualdade entre irmãos nascidos do mesmo ventre.
Na narração das origens da família humana, o pecado de afastamento de Deus, da figura do pai e do irmão torna-se uma expressão da recusa da comunhão e traduz-se na cultura da servidão (cf. Gen 9, 25-27), com as consequências daí resultantes que se prolongam de geração em geração: rejeição do outro, maus-tratos às pessoas, violação da dignidade e dos direitos fundamentais, institucionalização de desigualdades. Daqui se vê a necessidade duma conversão contínua à Aliança levada à perfeição pela oblação de Cristo na cruz, confiantes de que, «onde abundou o pecado, superabundou a graça (…) por Jesus Cristo» (Rom 5, 20.21). Ele, o Filho amado (cf. Mt 3, 17), veio para revelar o amor do Pai pela humanidade. Todo aquele que escuta o Evangelho e acolhe o seu apelo à conversão, torna-se, para Jesus, «irmão, irmã e mãe» (Mt 12, 50) e, consequentemente, filho adoptivo de seu Pai (cf. Ef 1, 5).
No entanto, os seres humanos não se tornam cristãos, filhos do Pai e irmãos em Cristo por imposição divina, isto é, sem o exercício da liberdade pessoal, sem se converterem livremente a Cristo. Ser filho de Deus requer que primeiro se abrace o imperativo da conversão: «Convertei-vos – dizia Pedro no dia de Pentecostes – e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (Act 2, 38). Todos aqueles que responderam com a fé e a vida àquela pregação de Pedro, entraram na fraternidade da primeira comunidade cristã (cf. 1 Ped 2, 17; Act 1, 15.16; 6, 3; 15, 23): judeus e gregos, escravos e homens livres (cf. 1 Cor 12, 13; Gal 3, 28), cuja diversidade de origem e estado social não diminui a dignidade de cada um, nem exclui ninguém do povo de Deus. Por isso, a comunidade cristã é o lugar da comunhão vivida no amor entre os irmãos (cf. Rom 12, 10; 1 Tes 4, 9; Heb 13, 1; 1 Ped 1, 22; 2 Ped 1, 7).
Tudo isto prova como a Boa Nova de Jesus Cristo – por meio de Quem Deus «renova todas as coisas» (Ap 21, 5) – é capaz de redimir também as relações entre os homens, incluindo a relação entre um escravo e o seu senhor, pondo em evidência aquilo que ambos têm em comum: a filiação adoptiva e o vínculo de fraternidade em Cristo. O próprio Jesus disse aos seus discípulos: «Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (Jo 15, 15).
As múltiplas faces da escravatura, ontem e hoje
3.      Desde tempos imemoriais, as diferentes sociedades humanas conhecem o fenómeno da sujeição do homem pelo homem. Houve períodos na história da humanidade em que a instituição da escravatura era geralmente admitida e regulamentada pelo direito. Este estabelecia quem nascia livre e quem, pelo contrário, nascia escravo, bem como as condições em que a pessoa, nascida livre, podia perder a sua liberdade ou recuperá-la. Por outras palavras, o próprio direito admitia que algumas pessoas podiam ou deviam ser consideradas propriedade de outra pessoa, a qual podia dispor livremente delas; o escravo podia ser vendido e comprado, cedido e adquirido como se fosse uma mercadoria qualquer.
Hoje, na sequência duma evolução positiva da consciência da humanidade, a escravatura – delito de lesa humanidade – foi formalmente abolida no mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável.
Mas, apesar de a comunidade internacional ter adoptado numerosos acordos para pôr termo à escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura.
Penso em tantos trabalhadores e trabalhadoras, mesmo menores, escravizados nos mais diversos sectores, a nível formal e informal, desde o trabalho doméstico ao trabalho agrícola, da indústria manufactureira à mineração, tanto nos países onde a legislação do trabalho não está conforme às normas e padrões mínimos internacionais, como – ainda que ilegalmente – naqueles cuja legislação protege o trabalhador.
Penso também nas condições de vida de muitos migrantes que, ao longo do seu trajecto dramático, padecem a fome, são privados da liberdade, despojados dos seus bens ou abusados física e sexualmente. Penso em tantos deles que, chegados ao destino depois duma viagem duríssima e dominada pelo medo e a insegurança, ficam detidos em condições às vezes desumanas. Penso em tantos deles que diversas circunstâncias sociais, políticas e económicas impelem a passar à clandestinidade, e naqueles que, para permanecer na legalidade, aceitam viver e trabalhar em condições indignas, especialmente quando as legislações nacionais criam ou permitem uma dependência estrutural do trabalhador migrante em relação ao dador de trabalho como, por exemplo, condicionando a legalidade da estadia ao contrato de trabalho... Sim! Penso no «trabalho escravo».
Penso nas pessoas obrigadas a prostituírem-se, entre as quais se contam muitos menores, e nas escravas e escravos sexuais; nas mulheres forçadas a casar-se, quer as que são vendidas para casamento quer as que são deixadas em sucessão a um familiar por morte do marido, sem que tenham o direito de dar ou não o próprio consentimento.
Não posso deixar de pensar a quantos, menores e adultos, são objecto de tráfico e comercialização para remoção de órgãos, para ser recrutados como soldados, para servir de pedintes, para actividades ilegais como a produção ou venda de drogas, ou para formas disfarçadas de adopção internacional.
Penso, enfim, em todos aqueles que são raptados e mantidos em cativeiro por grupos terroristas, servindo os seus objectivos como combatentes ou, especialmente no que diz respeito às meninas e mulheres, como escravas sexuais. Muitos deles desaparecem, alguns são vendidos várias vezes, torturados, mutilados ou mortos.
Algumas causas profundas da escravatura
4.      Hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objecto. Quando o pecado corrompe o coração do homem e o afasta do seu Criador e dos seus semelhantes, estes deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em humanidade, passando a ser vistos como objectos. Com a força, o engano, a coacção física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim.


Juntamente com esta causa ontológica – a rejeição da humanidade no outro –, há outras causas que concorrem para se explicar as formas actuais de escravatura. Entre elas, penso em primeiro lugar na pobreza, no subdesenvolvimento e na exclusão, especialmente quando os três se aliam com a falta de acesso à educação ou com uma realidade caracterizada por escassas, se não mesmo inexistentes, oportunidades de emprego. Não raro, as vítimas de tráfico e servidão são pessoas que procuravam uma forma de sair da condição de pobreza extrema e, dando crédito a falsas promessas de trabalho, caíram nas mãos das redes criminosas que gerem o tráfico de seres humanos. Estas redes utilizam habilmente as tecnologias informáticas modernas para atrair jovens e adolescentes de todos os cantos do mundo.

Entre as causas da escravatura, deve ser incluída também a corrupção daqueles que, para enriquecer, estão dispostos a tudo. Na realidade, a servidão e o tráfico das pessoas humanas requerem uma cumplicidade que muitas vezes passa através da corrupção dos intermediários, de alguns membros das forças da polícia, de outros actores do Estado ou de variadas instituições, civis e militares. «Isto acontece quando, no centro de um sistema económico, está o deus dinheiro, e não o homem, a pessoa humana. Sim, no centro de cada sistema social ou económico, deve estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que fosse o dominador do universo. Quando a pessoa é deslocada e chega o deus dinheiro, dá-se esta inversão de valores».

Outras causas da escravidão são os conflitos armados, as violências, a criminalidade e o terrorismo. Há inúmeras pessoas raptadas para ser vendidas, recrutadas como combatentes ou exploradas sexualmente, enquanto outras se vêem obrigadas a emigrar, deixando tudo o que possuem: terra, casa, propriedades e mesmo os familiares. Estas últimas, impelidas a procurar uma alternativa a tão terríveis condições, mesmo à custa da própria dignidade e sobrevivência, arriscam-se assim a entrar naquele círculo vicioso que as torna presa da miséria, da corrupção e das suas consequências perniciosas.

Um compromisso comum para vencer a escravatura

5. Quando se observa o fenómeno do comércio de pessoas, do tráfico ilegal de migrantes e de outras faces conhecidas e desconhecidas da escravidão, fica-se frequentemente com a impressão de que o mesmo tem lugar no meio da indiferença geral.

Sem negar que isto seja, infelizmente, verdade em grande parte, apraz-me mencionar o enorme trabalho que muitas congregações religiosas, especialmente femininas, realizam silenciosamente, há tantos anos, a favor das vítimas. Tais institutos actuam em contextos difíceis, por vezes dominados pela violência, procurando quebrar as cadeias invisíveis que mantêm as vítimas presas aos seus traficantes e exploradores; cadeias, cujos elos são feitos não só de subtis mecanismos psicológicos que tornam as vítimas dependentes dos seus algozes, através de chantagem e ameaça a eles e aos seus entes queridos, mas também através de meios materiais, como a apreensão dos documentos de identidade e a violência física. A actividade das congregações religiosas está articulada a três níveis principais: o socorro às vítimas, a sua reabilitação sob o perfil psicológico e formativo e a sua reintegração na sociedade de destino ou de origem.

Este trabalho imenso, que requer coragem, paciência e perseverança, merece o aplauso da Igreja inteira e da sociedade. Naturalmente o aplauso, por si só, não basta para se pôr termo ao flagelo da exploração da pessoa humana. Faz falta também um tríplice empenho a nível institucional: prevenção, protecção das vítimas e acção judicial contra os responsáveis. Além disso, assim como as organizações criminosas usam redes globais para alcançar os seus objectivos, assim também a acção para vencer este fenómeno requer um esforço comum e igualmente global por parte dos diferentes actores que compõem a sociedade.

Os Estados deveriam vigiar por que as respectivas legislações nacionais sobre as migrações, o trabalho, as adopções, a transferência das empresas e a comercialização de produtos feitos por meio da exploração do trabalho sejam efectivamente respeitadoras da dignidade da pessoa. São necessárias leis justas, centradas na pessoa humana, que defendam os seus direitos fundamentais e, se violados, os recuperem reabilitando quem é vítima e assegurando a sua incolumidade, como são necessários também mecanismos eficazes de controle da correcta aplicação de tais normas, que não deixem espaço à corrupção e à impunidade. É preciso ainda que seja reconhecido o papel da mulher na sociedade, intervindo também no plano cultural e da comunicação para se obter os resultados esperados.

As organizações intergovernamentais são chamadas, no respeito pelo princípio da subsidiariedade, a implementar iniciativas coordenadas para combater as redes transnacionais do crime organizado que gerem o mercado de pessoas humanas e o tráfico ilegal dos migrantes. Torna-se necessária uma cooperação a vários níveis, que englobe as instituições nacionais e internacionais, bem como as organizações da sociedade civil e do mundo empresarial.

Com efeito, as empresas têm o dever não só de garantir aos seus empregados condições de trabalho dignas e salários adequados, mas também de vigiar por que não tenham lugar, nas cadeias de distribuição, formas de servidão ou tráfico de pessoas humanas. A par da responsabilidade social da empresa, aparece depois a responsabilidade social do consumidor. Na realidade, cada pessoa deveria ter consciência de que «comprar é sempre um acto moral, para além de económico».

As organizações da sociedade civil, por sua vez, têm o dever de sensibilizar e estimular as consciências sobre os passos necessários para combater e erradicar a cultura da servidão.

Nos últimos anos, a Santa Sé, acolhendo o grito de sofrimento das vítimas do tráfico e a voz das congregações religiosas que as acompanham rumo à libertação, multiplicou os apelos à comunidade internacional pedindo que os diversos actores unam os seus esforços e cooperem para acabar com este flagelo. Além disso, foram organizados alguns encontros com a finalidade de dar visibilidade ao fenómeno do tráfico de pessoas e facilitar a colaboração entre os diferentes actores, incluindo peritos do mundo académico e das organizações internacionais, forças da polícia dos diferentes países de origem, trânsito e destino dos migrantes, e representantes dos grupos eclesiais comprometidos em favor das vítimas. Espero que este empenho continue e se reforce nos próximos anos.

Globalizar a fraternidade, não a escravidão nem a indiferença

6. Na sua actividade de «proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade», a Igreja não cessa de se empenhar em acções de carácter caritativo guiada pela verdade sobre o homem. Ela tem o dever de mostrar a todos o caminho da conversão, que induz a voltar os olhos para o próximo, a ver no outro – seja ele quem for – um irmão e uma irmã em humanidade, a reconhecer a sua dignidade intrínseca na verdade e na liberdade, como nos ensina a história de Josefina Bakhita, a Santa originária da região do Darfur, no Sudão. Raptada por traficantes de escravos e vendida a patrões desalmados desde a idade de nove anos, haveria de tornar-se, depois de dolorosas vicissitudes, «uma livre filha de Deus» mediante a fé vivida na consagração religiosa e no serviço aos outros, especialmente aos pequenos e fracos. Esta Santa, que viveu a cavalo entre os séculos XIX e XX, é também hoje testemunha exemplar de esperança para as numerosas vítimas da escravatura e pode apoiar os esforços de quantos se dedicam à luta contra esta «ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na carne de Cristo».

Nesta perspectiva, desejo convidar cada um, segundo a respectiva missão e responsabilidades particulares, a realizar gestos de fraternidade a bem de quantos são mantidos em estado de servidão. Perguntemo-nos, enquanto comunidade e indivíduo, como nos sentimos interpelados quando, na vida quotidiana, nos encontramos ou lidamos com pessoas que poderiam ser vítimas do tráfico de seres humanos ou, quando temos de comprar, se escolhemos produtos que poderiam razoavelmente resultar da exploração de outras pessoas. Há alguns de nós que, por indiferença, porque distraídos com as preocupações diárias, ou por razões económicas, fecham os olhos. Outros, pelo contrário, optam por fazer algo de positivo, comprometendo-se nas associações da sociedade civil ou praticando no dia-a-dia pequenos gestos como dirigir uma palavra, trocar um cumprimento, dizer «bom dia» ou oferecer um sorriso; estes gestos, que têm imenso valor e não nos custam nada, podem dar esperança, abrir estradas, mudar a vida a uma pessoa que tacteia na invisibilidade e mudar também a nossa vida face a esta realidade.

Temos de reconhecer que estamos perante um fenómeno mundial que excede as competências de uma única comunidade ou nação. Para vencê-lo, é preciso uma mobilização de dimensões comparáveis às do próprio fenómeno. Por esta razão, lanço um veemente apelo a todos os homens e mulheres de boa vontade e a quantos, mesmo nos mais altos níveis das instituições, são testemunhas, de perto ou de longe, do flagelo da escravidão contemporânea, para que não se tornem cúmplices deste mal, não afastem o olhar à vista dos sofrimentos de seus irmãos e irmãs em humanidade, privados de liberdade e dignidade, mas tenham a coragem de tocar a carne sofredora de Cristo, o Qual Se torna visível através dos rostos inumeráveis daqueles a quem Ele mesmo chama os «meus irmãos mais pequeninos» (Mt 25, 40.45).

Sabemos que Deus perguntará a cada um de nós: Que fizeste do teu irmão? (cf. Gen 4, 9-10). A globalização da indiferença, que hoje pesa sobre a vida de tantas irmãs e de tantos irmãos, requer de todos nós que nos façamos artífices duma globalização da solidariedade e da fraternidade que possa devolver-lhes a esperança e levá-los a retomar, com coragem, o caminho através dos problemas do nosso tempo e as novas perspectivas que este traz consigo e que Deus coloca nas nossas mãos.


Vaticano, 8 de Dezembro de 2014.

[Franciscus]

(from Vatican Radio)